Eu tendo à reflexão, mas não pretendo no futuro escrever um livro de auto ajuda, não se preocupem. Acho importante para o auto-conhecimento e, portanto, para simplificar de vida. Tinha esperança de no Google(é lógico!) encontrar algum trabalho acadêmico ou algum artigo contextualizado que abordasse o tema: acostumar-se. Em algum canto do mundo deve ter algum projeto de pesquisa de algum curso de psicologia sobre o assunto, não é possível. Não queria me basear nas minhas teorias infundadas mas, pelo visto, assim será.
Para mim, tudo é questão de costume. Esse pensamento, hoje, se faz tão firme na minha vida que, quando estou em alguma situação adversa à minha vontade, penso que é só desacostumar. É simples, não dá trabalho. Os pensamentos reticentes se presentificam naqueles que não estão dispostos a encarar as transformações da realidade. Estes, terão que se acostumar na 'tora' com as mudanças, muitas vezes radicais. Você não entende porque um objeto tão pesado, para uns, normalmente se faz carregável. É o costume que o torna leve. Os exemplos são dos mais variados.
"A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer", disse Clarice Lispector, em seu texto Acostumar-se. É a ilusão, o comodismo, a preguiça... "Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia", está no texto. Clarisse fala das situações costumeiras do dia a dia, da poluição ao consumismo, e diz que nos acostumamos até "ao choque que os olhos levam ao ver a luz natural", o que me lembra o Mito da Caverna, descrito pelo filósofo Platão no seu livro A República. O mito serve de exemplificação de como podemos, através da luz da verdade, nos libertar da escuridão.
A analogia, por coincidência, tem tudo a ver. O texto descreve a condição de pessoas que se acostumaram a viver dentro de uma caverna acorrentados de costas para a entrada. A única percepção era a existência das sombras, que julgavam ser a realidade. Um único homem, curioso, duvidoso do que via, conseguiu quebrar os ferros, enfrentou obstáculos, e descobriu que as sombras eram feitas de homens como eles, e ainda, que existia toda natureza.
É o desapego das crenças, da realidade oferecida, do senso comum. Uma comparação usual é que o prisioneiro fugitivo faz o papel do filosófo, naquela busca incessante pela útopica verdade que os movem. Porém, qualquer desacostumado tende a filósofo, mesmo que amador.
Diálogo do Mito da caverna entre Socrátes e Glauco.
{Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Necessariamente.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco - Sim, com certeza Sócrates. }
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Necessariamente.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco - Sim, com certeza Sócrates. }
O que lamentei não ter embasamento, até que teve, e dos bons. Talvez tentar se acostumar seria basear-se mais nos aspectos racionais da vida, como disse num dos primeiros post deste blog. E, mesmo que pareça descrente, não é. É viver de forma empírica e duvidar até mesmo do que parece ser sincero. A gente se engana com o que nos parece angelical ou infernal, não têm regras ... "...mas a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza", está nas melodias de Infinita Highway escrita por Humberto Gessinger.
Finalizo com o fim do texto da escritora Clarice Lispector. "A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta e se gasta de tanto se acostumar, e se perde em si mesma".
Não, não dá para terminar com esse fim.