terça-feira, 2 de novembro de 2010

Jornalismo e democracia

Por Alfredo Vizeu e Heitor Rocha

A imprensa é vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devasssa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. Percebe onde a alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que a ameaça. A afirmação de Ruy Barbosa em defesa do Jornalismo é esclarecedora neste momento em que a ética e a busca da verdade dos fatos, singularidades do campo jornalístico, cedem lugar, na arena política, a outros interesses que não os da veracidade dos fatos.

A preocupação em bem informar foi abandonada por alguns jornais e revistas durante o período eleitoral em detrimento de uma candidatura em benefício de outra no que alguns denominaram de "golpe midiático". Não somos daqueles que identificam uma atitude conspiratória da imprensa até porque temos uma fé inabalável neste país e no seu povo, do qual fazemos parte com muito orgulho. Povo que, contra alguns setores da imprensa, defendeu e lutou pela volta das eleições diretas e elegeu um presidente forjado no cotidiano da gente simples deste país. Com certeza, isso incomoda as classes dominantes. O Jornalismo não é o quarto poder e nem onipotente, tem que se submeter ao escrutínio da sociedade, como qualquer instituição democrática.

No entanto, causam-nos preocupação alguns fatos que ocorrem aqui e ali, como a recente reunião promovida pelo Clube Militar sobre a liberdade de imprensa. Sob o título "A Democracia Ameaçada – Restrições à liberdade de Expressão", o encontro, que contou com a quase totalidade de militares da reserva na platéia, ouviu os jornalistas Merval Pereira, de O Globo; Reinaldo Azevedo, da revista Veja, e Rodolfo Machado, diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).

Humanização é um fator central
Sem dúvida, militares e jornalistas têm todo o direito de se reunirem para debater a liberdade de imprensa. Estamos numa sociedade democrática. No entanto, eventos como esse não deixam de trazer um incômodo e más lembranças de um período em que a imprensa foi silenciada pela ditadura militar. Um tempo em que empresários, empresas jornalísticas e militares, sob a alegação do "fantasma do comunismo", aliaram-se para dar o golpe militar de 64 que, durante anos, calou o Brasil. Felizmente os tempos são outros. Temos certeza de que os antigos aliados têm bem claro que vivemos hoje um novo quadro neste país e que mais do nunca é preciso defender a democracia.

Lembramos que o Código de Ética da Associação Nacional de Jornais (ANJ) nos seus preceitos é bem objetivo quanto ao compromisso das empresas jornalísticas de defesa da democracia. É dever das mesmas manter sua independência, apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses, defender os direitos do ser humano, os valores da democracia representativa e a livre democracia bem como assegurar o acesso de seus eleitores às diferentes versões dos fatos e às diversas tendências de opinião da sociedade. Consideramos que não se trata de uma simples declaração de intenções, mas de uma meta a ser cumprida. Caso não fosse assim, cairíamos na chamada "razão cínica" como as promessas de palanque de alguns políticos que passadas as eleições esquecem do que prometeram.

Para nós é imprescindível que a imprensa brasileira se fundamente nos seguintes aspectos, não como uma possibilidade, mas como um dever inalienável: o ser humano é a norma no uso dos meios de comunicação; todo e qualquer princípio moral referido aos meios deve apoiar-se na dignidade e no valor da pessoa humana, que se realiza no âmbito da comunicação. A humanização coloca-se como um fator central dos meios de comunicação social e, tendo o bem comum como valor decisivo, tudo que eles realizam deve passar pelo seu crivo.

Um compromisso com a verdade, a ética, a liberdade e a democracia
Dentro desse contexto, é básica, o que não vem ocorrendo em alguns jornais e revistas, a preocupação com a verdade dos fatos e a objetividade jornalística que têm por princípios a ética e a investigação. Nesse sentido para termos uma boa informação que contribua para o esclarecimento dos cidadãos e das cidadãs, é necessário que as empresas jornalísticas ao cobrirem os fatos não façam uma apresentação parcial da realidade; não distorçam os fatos mediante a acentuação dos aspectos que provocam reações emocionais, não racionais, na linha de uma exacerbação desproporcional de interesses (o sensacionalismo).

É preciso ter cuidado com o "silêncio". Ou seja, suprimir determinadas informações cujo conhecimento poria em dúvida o quadro ideológico sustentado pelos detentores dos meios de comunicação social. É preciso também não fazer eco de rumores sem base, que pelas características do seu conteúdo não são passíveis de comprovação. É importante ainda, como disse Paulo Freire, estabelecermos uma vigilância constante sobre a nossa atividade pensante para que não se adote sob o tom de uma marcada, ainda que aparente imparcialidade, afirmações claramente imparciais ou interesseiras.

Por fim, duas preocupações que precisam ser centrais no Jornalismo: devemos ficar alertas para as chamadas "amostragens insuficientes", que dão a impressão de que se apresenta um estado majoritário de opinião pública a partir de entrevistas realizadas com um pequeno número de pessoas unilateralmente selecionadas. A outra é usar de fatos parciais generalizando abusivamente acontecimentos que, por sua natureza e características, são individuais. Isso pode ser feito diretamente ou apresentando séries de notícias de tal maneira que o próprio usuário generalize de forma positiva criando estereótipos favoráveis de uma realidade pessoal ou grupal, ou negativa elaborando estereótipos desfavoráveis a esta mesma realidade.

Poderíamos listar aqui mais uma série de preceitos que podem garantir uma informação jornalística comprometida com a busca da verdade dos fatos e a ética da atividade. Acreditamos que elas já são um convite a uma reflexão sobre a centralidade do Jornalismo nas sociedades democráticas. Para concluir, entendemos que o Jornalismo ético é uma utopia a ser perseguida diariamente. Como disse Paulo Freire: "...o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar a estrutura desumanizante e anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão, a utopia é também um compromisso histórico". O Jornalismo é utopia realizável de um compromisso histórico com a verdade, a ética, a liberdade e a democracia.

* Jornalistas e professores da UFPE
Publicado no Observatório da Imprensa em 5/10/2010
Colhido do Boletim da FENAJ

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